segunda-feira, 31 de maio de 2010

Inconstância (Florbela Espanca)

Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à Vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a boca me queimava! E era o sol que os longes deslumbrava Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer... Atrás do sol dum dia outro a aquecer As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo É igual a outro amor que vai surgindo, Que há-de partir também... nem eu sei quando...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Quem amou ainda ama.(Casimiro de Brito)

Quem amou ainda ama,
vai ouvir a vida inteira a canção furtiva.
vai ouvi-la e cantá-la
ao acaso dos ventos que trazem
do Ocidente e do Oriente
árvores e respirações animais
que supuram a febre do mundo - quem amou
ainda ama, vai cantar a vida inteira
o ninho de mulheres
onde se reúnem
a terra e o céu, vai aceitar
o domínio das águas sedentas
sobre o osso e a pedra: o grande ofício
é transformar a terra em osso
e o osso em carne desamparada.
Quem amou não sabe nada,
vai cair a vida inteira.
Mas que força é essa, se não é
um saber? Um saber de bocas invisíveis
e do enigma das águas que são álcool
da carne e pássaro que regressa
ao ninho da mãe. Quem amou
vai amar a vida inteira.

domingo, 23 de maio de 2010

Cada Verdade (Maria João Brito de Souza)

Agora que os milénios se passaram
Sobre as glórias do império de uma infância
Recordo, debruçada na distância,
O muito que esses tempos me ensinaram.
O tanto que então lia e pesquisava,
As construções das cores e dos grafismos
E a dissecação dos silogismos
Em que uma maioria acreditava…
As coisas que aprendi, as que sonhei,
As que nunca pensei ainda aprender
E os sonhos construídos na vontade…
Hoje procuro ainda o que não sei
Nos mais fundos recantos do meu ser
Onde alcanço encontrar cada verdade.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Soneto (Eduardo Carranza)

Tudo está bem: o verde na pradaria o ar com seu silvo de diamante e no ar o ramo desenhista e pela luz acima a palmeira.
Tudo está bem: a fronte que me espera, a água com seu céu caminhante o vermelho úmido na boca amante e o vento da pátria na bandeira.
Bem que seja entre sonhos o infante, que seja janeiro azul e que eu cante. Bem a rosa em seu claro palafrém.
Bem está que se viva e que se morra. O Sol, a Lua, a criação inteira, salvo meu coração, tudo está bem.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Martin Luther King

Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã,
ainda assim plantaria a minha macieira.
O que me assusta não é a violência de poucos,
mas a omissão de muitos.
Temos aprendido a voar como os pássaros,
a nadar como os peixes, mas não aprendemos
a sensível arte de viver como irmãos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Oração da Serenidade (AD)

Concedei-nos Senhor,
A Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso e sabedoria para distiguir umas das outras.
A Serenidade no criar algo verdadero de bom, de humilde.
A Serenidade no agir, mesmo com os meus defeitos em prol de alguém necessitado, doar-me.
A Serenidade no ouvir as idéias adversas respeitando a liberdade de todos em anunciá-las.
A Serenidade no indignar-me.
A Serenidade no contentar-me em ser um eterno aprendiz nesta difícil arte de conviver comigo e com o mundo, contudo, chegaremos no dia em que dela nos revestiremos com uma forte armadura em nosso interior.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Salve a Libertação (Deise de Macedo)





No movimento pesado de minhas saias bordadas a mão, meus cabelos negros e cacheados, minha pele alva tão branca como algodão.

Quem sou eu neste passado tão distante na minha mente tão presente ?
Ver a casa grande de janelas e portas de madeira bruta e da varanda, a vegetação e a estrada de barro vermelho a subir a poira ao sol escaldante.
Os negros estão na lida da lavoura, o sofrimento da escravidão está cravado na alma e cada um deles, o sangue e suor se misturam pelo corpo calejado de tanto trabalho.

Este tempo é lembrado mas já passado, esta estupidez dos que se diziam brancos, senhores de escravos. Não importa se somos azuis, amarelos, roxos ou de qualquer outra cor, somos irmãos de alma por que somos criaturas de Deus, procure no alto de sua cabeça e encontrará um fio de cabelo encaracolado, sinal que temos sangue misturado na veia, sangue de um negro que sofreu nesta terra chamada Brasil.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam a gente feliz

Passarinho na janela, pijama de flanela, brigadeiro na panela. Gato andando no telhado,cheirinho de mato molhado,disco antigo sem chiado. Pão quentinho de manhã, dropes de hortelã, grito de Tarzan. Tirar a sorte no osso, jogar pedrinha no poço, um cachecol no pescoço. Papagaio que conversa, pisar em tapete persa, eu te amo e vice-versa. Vagalume aceso na mão, dias quentes de verão, descer de corrimão. Almoço de domingo, revoada de flamingo, herói que fuma cachimbo. Anãozinho de jardim, lacinho de cetim, terminar o livro assim.

domingo, 9 de maio de 2010

Sou mãe (Deise de Macedo)


Sou minha mãe desde que nasci, mas só descobri isto depois que me tornei mulher ao olhar para o passado e ver minha vida corrida.
Já lutei pelo meu corpo e por vezes vacilei nos caminhos passados, onde a inocência tinha por meta a curiosidade da descoberta, a menina franzina o mundo ensinou cedo o sabor da derrota e da vitória.
Para ser mãe enchi minha barriga com um feto e a cabeça de esperança por uma vida melhor, e nas horas de mais necessidade o amor materno que eu precisava não foi suficiente, isto por mim, pela minha força de desbravamento da vida.
Ser mãe é dado a cada mulher um privilégio ou um sacrificio, antes de ser mãe de alguém devemos ser mãe de nós mesmo, ter força para lutar pela vida, desbravar caminhos com coragem usando as armas secretas de ser uma verdadeira mulher.

sábado, 8 de maio de 2010

Mãe

Amor (José Maria Lopes de Araújo)

No vasto mar, no céu ou na montanha,
Na serra ou no planalto adormecido,
Eu vejo-o a vaguear tonto e perdido,
O louco amor … essa figura estranha!
Amor, irmão da noite … amor tristeza,
Amor escuridão … tédio …pavor…
Nostálgica visão de sonhador…
Amor inquieto e feito de incerteza!
Amor em labareda … Amor em chama …
Amor que aquece a alma gelada…
Que chora e ri, e canta, e geme, e clama
Em vão!...
Amor que é tudo! Amor que é nada!...
Quando sofro, alivio a minha dor,
Chorando; e quanto é bom chorar assim…
Com lágrimas dizendo, como em mim,
Crepita e arde o fogo dum Amor !

sexta-feira, 7 de maio de 2010

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Na Praça (Flávio Bastos)

Na praça,
O sol aconchega corações distantes,
e aproxima olhares perdidos,
liberdades esquecidas e amores longínquos.
Na praça,
o marginal divide o olhar angustiado,
e esquece a fome recalcada:
o sol é para todos!
Na praça,
o jardim, a inocência;
a árvore que cresce, a busca;
o sol, a luz e a experiência.
E a vida funde-se...
Na praça,
O sol aconchega corações distantes,
olhares perdidos;
e dilata visões, e acalma paixões.
E tudo funde-se num todo
sem ninguem saber,
porque tudo é simples demais.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vida Nova (Paulino Vergetti Neto)

Deixei de existir para viver
e amar com diferente ternura
e ter nos olhos a alegria pura
e a alma feliz.
Com a fala pausada e mansa
fui às ruas,
encontrei as praças,
estive em ar de graça,
enxerguei a luz do dia.
Hoje sinto a vida com os sabores da mão,
que ao que deseja toca
e ora de pés juntos
e sente a vida e o mundo
em festa de parturição.
Busco estradas pausadamente
e quando não as tenho aos pés,
crio asas, rumo sem rumo e sem pressa,
ouvindo da vida o que nela presta e me interessa
e em festa ousa amar-me.
Meu corpo é a força de minha misericórdia
e minha vida uma ida de longa volta
a caçar sobrevivência e a sentir saudade.
O milagre de mim sou eu quem faço e acho
e este poema é-me apenas um atalho
de tudo o que ainda quero andar tendo vivido.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Viver assim (Antero de Quental)

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;
Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;
Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

sábado, 1 de maio de 2010

Eu Sou (Clarice Lispector)

Para me refazer e te refazer volto ao meu estado
de jardim e sombra fresca realidade,
mal existo e se existo é com delicado cuidado.
Em redor da sombra faz calor de um suor abundante.
Estou viva. Mas sinto que ainda não alcancei os
meus limites, fronteiras com o que?
Sem fronteiras, a aventura da liberdade perigosa.
Mas arrisco, vivo arriscando.
Estou cheia de acácias balançando amarelas,
e eu que mal e mal comecei minha jornada,
começo-a com um censo de tragédia adivinhando
para que oceano perdido vão meus passos de vida.
E doidamente apodero dos desvãos de mim,
meus desvarios me sufocam de tanta beleza.
Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca.